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O lay off no futebol Português

Perante o cenário de uma crise de saúde púbica – com vincados traços e impactos económicos – que chegou sem ser anunciada, exaltam-se os ânimos, aparta-se a razão, remetem-se os olhares para si mesmos. Ninguém é mau, por isso. É apenas a nossa configuração genética. Afinal de contas, apesar de humanos, somos animais; e não há instinto mais animalesco do que o de sobrevivência.

Neste sentido, entende-se o animus subjacente ao braço de ferro entre clubes e sindicato de jogadores com relação ao lay-off: cada lado defende o que é seu e os seus. É o bom e velho instinto de sobrevivência a falar mais alto.

O que uns e outros parecem esquecer é que uns não existem sem os outros, nem os outros sem os uns…

Em Portugal, o futebol profissional (sem contar com o Campeonato de Portugal) emprega cerca de 2.000 pessoas, e contribui diretamente para o PIB com cerca de € 400.000.000,00 por ano; mas para os Portugueses o futebol não e apenas um desporto, nem um negócio, e os clubes não são apenas empresas, e os jogadores não são apenas jogadores; aqui, o futebol é uma religião, os clubes são catedrais, e os jogadores são ídolos. Num país habituado a sofrer, o futebol é refúgio, é alegria, é paixão. E isto é algo que os intervenientes devem ter em conta num momento como este.

Apesar do diálogo entre a Liga e o Sindicato de jogadores, e das duras críticas tecidas aos clubes que já aderiram ao lay off, a verdade é que, em princípio, esta medida pode ser aplicada aos clubes, enquanto empresas, e à sua relação com todo e qualquer funcionário que estes tenham, desde que se vejam cumpridos os requisitos determinados na lei.

O decreto que regulamenta a medida prevê que pode recorrer-lhe qualquer empresa (i) que tenha sido encerrada total ou parcialmente em decorrência do dever de encerramento de instalações e estabelecimentos, ou (ii) que tenha tido uma quebra abrupta e acentuada de, pelo menos, 40% da faturação no período de trinta dias anterior ao do pedido com referência à média mensal dos dois meses anteriores a esse período, ou face ao período homólogo do ano anterior, ou (iii) que tenha sofrido uma paragem total ou parcial da atividade que resulte da interrupção das cadeias de abastecimento globais, ou da suspensão ou cancelamento de encomendas e, em qualquer caso, desde que tenha a sua situação contributiva regularizada perante a autoridade tributária e a segurança social.

Muito se discute quanto ao enquadramento da generalidade dos clubes em algum dos pontos acima, que lhes permitiria recorrer à medida atenuante.

Quem defende que os clubes não cumprem os requisitos fá-lo, essencialmente, com base na premissa de que os clubes não tiveram quebra de faturação, visto que a liga, clubes e operadoras de telecomunicações chegaram a acordo para que estas pagassem o mês de março por inteiro aos clubes, o que, para os clubes da Liga Nos, significa que 12 jogos em casa, de um total de 17, estão pagos; segundo estes críticos, e na medida em que as receitas televisivas representam grande parte dos orçamentos dos clubes, estes não devem poder alegar a quebra de receita no mês de Março.

Outros há que defendem, ainda, que o fecho das arenas desportivas não obsta a que os atletas continuem a treinar, mas apenas à realização dos jogos sem que, contudo, se possa dizer que houve quebra de atividade.

Para entender melhor estas questões, e o contexto geral da economia do futebol e Portugal, analisemos alguns dados estatísticos baseados nos dados fornecidos pelo Anuário do Futebol Profissional Português, preparado pela EY, e pelo Global Sports Salaries Survey 2018, da consultora Sporting Intelligence:

Estatisticamente, as receitas dos clubes da Liga Nos provêm 25% de direitos televisivos, 34% da venda de direitos relacionados a atletas, 15% da participação em competições europeias, e 12% da sua atividade comercial genérica; tendo em conta que estes números são desvirtuados pela participação dos chamados “grandes” neste cálculo, e que concentram cerca de 76% das receitas com transferências, a dependência das receitas televisivas para os demais clubes sobe para números mais significativos, entre os 33% e os 46%; por contraposição, no orçamento dos “grandes”, as receitas televisivas representam 21% do total.

De acordo com os mesmos relatórios, os salários com pessoal representam cerca de 49% dos gastos anuais dos clubes, dos quais 75% se concentram no pagamento a atletas, 12% a treinadores, e 11% a outros funcionários das sociedades desportivas.

Em 2018 o salário médio anual de um jogador de futebol da primeira liga portuguesa era cerca de € 307.000,00 ao ano, ou € 25.583,33 por mês. No entanto, Benfica, Porto e Sporting concentravam 78% dessa remuneração, sendo que os clubes que ocupam as 12 posições finais da tabela representavam apenas 14% da totalidade dos salários. Estatisticamente, enquanto os “grandes” pagavam um salário médio de cerca de € 1.460.000 ao ano, ou € 121.666,70 por mês, a cada um dos seus atletas, os clubes do meio para o fim da tabela pagavam cerca de € 65.500,00 por ano a cada atleta, ou seja, cerca de € 5.450,00 por mês.

Esta disparidade é mais gritante se olharmos para a Liga Pro. Ainda que os dados disponíveis quanto esta liga sejam mais exíguos, o Anuário do Futebol Profissional Português estima o salário combinado, por jogador, da Liga Nos e Liga Pro em € 202.000,00 ao ano. Se considerarmos o número de atletas inscritos em cada liga, e rememorarmos as fórmulas matemáticas aprendidas na escola, chegamos à conclusão de que o salário médio, por atleta, na Liga Pro é de cerca de € 15.000,00 por ano, ou € 1.250,00 por mês.

Ora, em termos práticos, e caso a totalidade dos clubes reunisse as condições necessárias para recorrer ao lay off, significaria que os atletas da Liga Nos, em média, teriam os seus salário reduzidos para o escalão mais alto permitido no âmbito desta medida, i.e. € 1.905,00, e os atletas da Liga Pro teriam os seus salários médios fixados em cerca de € 825,00. Destes valores, os clubes seriam obrigados a suportar 30%, ficando a Segurança Social responsável pelos restantes 70%; além disso, os clubes ficariam isentos, temporariamente, de efetuar contribuições para a Segurança Social. Estatisticamente, isto representaria uma poupança, para os “grandes”, de cerca de € 6.300.000,00 por mês e para os restantes clubes da Liga Nos de cerca de € 250.000,00 por mês. Para a Liga Pro, e considerando que as equipas têm planteis mais exíguos, esta poupança seria equivalente a cerca de € 35.000,00 por mês. Tudo isto, sem considerar a ausência de descontos para a segurança social, que representa uma economia adicional.

Se considerarmos que o orçamento de qualquer dos “grandes” é, historicamente, equivalente à soma dos orçamentos dos restantes integrantes da Liga Nos, ou até mesmo que o orçamento dos clubes da Liga Pro, na sua generalidade, se situa entre os € 1.000.000,00 e € 2.500.000,00, podendo chegar a € 3.000.000,00, em alguns casos, podemos aferir a relatividade que uma economia deste género representa; apesar de ser mais expressiva e de os números impressionarem mais quando se trata dos clubes mais ricos (onde efetivamente vai implicar um “esforço” maior por parte dos respetivos atletas), ela é muito mais significativa para os demais clubes, podendo representar uma economia mensal equivalente a quase 5% do seu orçamento anual.

Perante os números apresentados, e ainda que a situação não vá ser igual para todos, num momento em que os clubes não conseguem recorrer a outras receitas é importante tentar enquadrá-los nas medidas disponíveis, especialmente se isso os afastar de um eventual ponto de rutura financeira e eventual falência. O intuito do lay off não é salvar gestões ruinosas (e que estariam condenadas antes da crise pandémica); em todos os demais casos, quando aplicável, pode e deve ser usado. Após a candidatura ao regime, o facto de um determinado clube reunir os requisitos para se qualificar à medida deve ser deixado à avaliação das entidades acreditadas para fazê-lo.

Para esclarecer o tema, a FIFA publicou as diretrizes para lidar com as consequências do COVID-19. Entre as medidas sugeridas, e especificamente quando aos contratos em vigor, a FIFA aconselha, acima de tudo, que clubes, jogadores e treinadores trabalhem em conjunto para encontrar soluções para o período durante o qual o futebol se encontre suspenso.

Caso não seja possível chegar a um acordo com o atleta ou com o sindicato de jogadores, e na medida em que tenham de ser tomadas medidas unilaterais, estas só serão reconhecidas se estiverem em linha com a legislação local aplicável ou com eventuais acordos coletivos.

Ademais, todas as decisões unilaterais terão de ser feitas de boa fé, ser razoáveis, e proporcionais. Para aferir da razoabilidade serão tidos em conta elementos como a) eventual tentativa do clube negociar com o profissional, b) a situação economia do clube, c) a proporcionalidade de qualquer contrato ou aditamento, d) a receita liquida do atleta após o aditamento, e e) a aplicação da medida a todos os funcionários do clube ou apenas a alguns.

Alternativamente, e se aplicável, sugere-se a suspensão de todos os contratos, com manutenção de apólice de seguro obrigatório, caso seja possível encontrar solução alternativa para a remuneração dos funcionários.

Por fim, a FIFA recomenda que os contratos sejam interpretados de forma a abraçar os novos prazos de fim de época desportiva e de início da seguinte.

Posto isto, apela-se à cautela por parte dos clubes nas decisões a tomar, e ao apoio e compreensão do sindicato de jogadores e liga, de forma a encontrar uma solução razoável, baseada na lei aplicável, e que ajude o futebol português a navegar em segurança para longe desta tempestade.